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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

X,

“They may use my body but my mind is free. In my mind I escape.” 
― Gladys Lawson, Blood Borne Connections


No outro dia estava na casa do C e, enquanto ele fazia o jantar, eu e a B mudámos para o telejornal. Estávamos completamente distraídas até começar a dar uma reportagem sobre o tráfico humano. 
Ouvi a noticia com atenção e, enquanto escutava os relatos pesarosos de algumas vitimas deste crime, vieram-me as lágrimas aos olhos. Como é que é possível? Estamos em pleno século XXI. Andaram os nossos antepassados a lutar para que finalidade? E é certo que a grande maioria das pessoas pensa que este tipo de atrocidades só acontece nos países mais empobrecidos. E eu fiquei cheia de raiva quando vi o nome do nosso país a aparecer como um ponto de referência. 

Não consigo imaginar, por muito que tente, a dor que deve ser infligida nos "novos escravos" como dizia a jornalista. Quando penso em violações esporádicas, que aconteceram porque a pessoa X estava no sitio errado à hora errada, arrepio-me só de imaginar a sensação de ser fundida à força por um desconhecido qualquer. Acho que as pessoas abusadas acabam por perder um pouco de vida durante o acto. O sexo, que é essa coisa maravilhosa e tão intima que cada ser humano tem, acaba por se manchar à imagem dos que sofrem à sua custa. Os Homens podem ser animais. E digo isto porque muitas vezes o que comanda estes actos sanguinários é simplesmente o desejo carnal. Se calhar são pessoas desesperadas, que ficam excitadas só de olhar para o rabo de uma mulher ou o volume nas calças de um homem. São pessoas carentes, que não conhecem o amor, e que precisam de matar os outros para sentirem algum tipo de prazer. E não, não me enganei. A violação acaba por matar o inocente que sofre dela. E se eu já considero quase um assassinato um abuso pontual, nem consigo sequer imaginar o que é sê-lo todos os dias da nossa vida. 

É mesmo isso que acontece aos escravos de hoje em dia. São na sua maioria mulheres jovens, que provém de famílias pobres.  São iludidas com promessas de uma vida melhor, porque conheceram o homem dos seus sonhos e ele lhes garantiu que um dia lhes daria o mundo. São desconhecidos a quem elas abrem as portas do coração, esperançosas. São desconhecidos que as enganam, que as usam para seu próprio proveito sexual e depois as vendem. Como é que um ser humano pode ter valor monetário? Como é que se estipula quanto vale uma pessoa? 
Algumas destas mulheres disseram que pensavam em suicidar-se todos os dias. Que a dor que carregavam no peito se tinha tornado demasiado grande para ser suportada. E, quando a tentativa não era bem sucedida, deixavam simplesmente de se importar com a vida. Passavam  sobreviver. 
Li, uma altura um livro de Colin Falconer e que até hoje continua a ser um dos meus favoritos, chamado Anastasia. É uma obra que nos fala da prostituição nos anos 20 em Xangai, altura em que os empresários americanos e europeus iam aos clubes clandestinos usufruir das chamadas chinesas brancas. Os relatos da protagonista, uma dessas prostitutas, arrepiam-me todos os pêlos do corpo. Mas tal como as vitimas de tráfico humano ela também não teve escolha. Era obrigada todos os dias a partilhar a mesma cama que muitos outros desconhecidos a troco de dinheiro. Vendia o corpo afim de poder pagar a divida aos seus patrões.

Quase no final da reportagem, uma das entrevistadas disse tinha conseguido finalmente pagar a divida depois de dois anos e sete meses de clausura. Quando a patroa a tentou convencer a ficar ela disse que não teve medo. Virou-lhe as costas e saiu. Não olhou para trás. 

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