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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Love X,


«Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos, 
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, 
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro 
Ouvindo correr o rio e vendo-o.»
Ricardo Reis


Para mim o amor não se destina só aos amantes. É algo que transcende o contacto físico ou o bater mais acelerado do coração. Ama-se a família, amam-se os amigos mais chegados. E um dos homens que eu mais amo neste mundo é meu amigo. Um verdadeiro amigo. Uma das poucas, senão a única, pessoa que consegue ver através de mim. 
Recusei muitas vezes falar sobre ele nos últimos meses. Só o pensamento fazia com que o meu coração se contorcesse. Evitei escrever este texto porque não estava certa de quando é que o voltaria a ver - ou se o voltaria sequer a reencontrar. 
Conheci o R há três anos, no dia 20 de Outubro de 2010. Conhecemo-nos por acaso, andava eu ainda no secundário. Ele estava no segundo de faculdade e o nosso primeiro encontro surgiu de um trabalho para uma disciplina que eu tinha na altura. Naquele momento, eu não sabia ainda que ele seria a pessoa que mais me mudaria enquanto pessoa. Eu não sabia absolutamente nada, nem sequer o nome dele. E quando nos cruzávamos nos corredores eu escrevia no meu caderninho que ansiava saber mais sobre aquela pessoa. Ele tinha uma bondade no olhar que não se encontra hoje em dia. Enquanto escrevia sobre os poucos detalhes que conhecia sobre ele, dei-lhe o meu próprio nome. Chamava-lhe Rapaz de Olhos Azuis. Ainda chamo, por vezes. Ele ri-se. 
Passei meses a cumprimentá-lo sem nunca lhe dizer mais do que duas palavras. Aquele estranho que eu conhecera numa quinta-feira de manhã tinha acabado por se tornar no meu refúgio. Aquelas wanna be models que faziam parte da minha turma passavam a vida a gozar comigo. Diziam que ele nunca ia reparar em mim. Mas ele sorria-me todos os dias. O meu anjo da guarda, como gosto de pensar por vezes, notou que eu era diferente. Que eu não me integrava naquele mundo. Que eu não tinha categoria, como me disse alguns meses mais tarde. 
Até ao dia em que conversamos pela segunda vez, numa nova entrevista. E a entrevista passou a intervalos da manhã, e daí a cafés ao Domingo à tarde quando vim para o Porto. O R e eu sempre tivemos facilidade em conversar um com o outro sobre tudo, mesmo sendo ele a pessoa mais reservada que eu já conheci. No meu primeiro ano, costumava vir-me embora à quinta-feira só para poder almoçar com ele no dia seguinte. Por vezes, quando o tempo nos fugia de entre os dedos, ficávamos semanas sem nos vermos. Mas isso nunca mudou nada.  
Ele ensinou-me a ser uma melhor pessoa. Ensinou-me a ser eu própria e a não ligar ao que os outros diziam ou pensavam sobre mim. Fez com que eu me apaixonasse por tartarugas. Proporcionou-me a minha primeira viagem de mota. Tornou-se um abrigo. 
Em Outubro, no dia em que fizemos três anos de amizade, e que por sinal é o dia do seu aniversário, recebi uma noticia que me deixou de coração partido, motivo pelo qual andei a sufocar durante os últimos meses do ano. O meu amigo tinha tido um acidente de mota. Um acidente grave. Foi operado. E tinha deixado de andar. Chorei durante horas. Implorei-lhe que me deixasse vê-lo no fim-de-semana, mas eu sabia que ele não queria que eu o visse assim. Ele conhece-me tão bem que sabe que eu não suportaria vê-lo sofrer. 
Os meses foram passando. Há cerca de duas semanas enviei-lhe um e-mail. Dizia-lhe que tinha saudades dele, que me sentia a pessoa mais impotente do mundo por não o ter podido ajudar. Ele respondeu-me uma semana depois (o que me levava a roer as unhas todos os dias), a dizer que também tinha saudades minhas, que tinham sido tempos muito difíceis, mas que estava a recuperar e já conseguia inclusive andar de muletas. Combinamos um almoço. 
Confesso que não sei muito bem do que estava à espera. Mas quando ele saiu da fisioterapia, a caminhar pelo seu próprio pé, eu quase chorei de alegria. Estava visivelmente mais magro e o corpo continuava dorido do acidente, mas eu não me importei. Saltei-lhe para um abraço apertado, mal podendo acreditar que ele estava ali, vivo, a respirar, comigo. Tive uma das melhores tardes de sempre. O almoço, um kebab cheio de gordura e absolutamente delicioso, foi feito na praia, dentro do meu carro favorito. Não me lembro de quantas horas passamos à conversa, sobre tudo e sobre nada, tentando pôr em pratos limpos tudo o que ia nas nossas cabeças. 
Aprendi a amar o R como se ama um irmão. Aquele bocadinho que passei com ele deixou-me o peito cheio. Não sei quanto tempo vamos ficar afastados agora que estou a dois dias de voltar para o Porto. Mas não importa. Tudo o que realmente me dá alento é saber que o tenho sempre comigo. Vivo. E em recuperação. 

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